Era uma vez um cão que ladrava a todos os que passavam perto da porta da casa dos seus donos. Inofensivo, o animal queria somente defender o "seu" território.
Um dia um estranho que passava provocou-o com um gesto brusco e intimidatório. O cão atirou-se a ele, atacando-o e mordendo-lhe...
Com pena do cão, e pese a gravidade do ocorrido, os proprietários não o mandaram abateram e preferiram açaima-lo. Do mal o menos. Mas, a partir desse dia, o cão perdeu a liberdade. Passou a andar "amordaçado" por uma situação da qual não teve culpa, pois apenas reagira, na tentativa de se defender, a um gesto brusco e ameaçador de um humano...
Apesar do açaime, o cão continuava a ladrar a quem passava à "sua" porta. Tinha uma imagem a defender. A própria imagem que criou para não ser atacado...
Cada vez que eu lá passava, lá estava ele a tentar intimidar-me.
Um dia, curioso perguntei aos donos qual era o nome do cão. "Lobo", responderam. O cão deixou de ser anónimo para mim e passei a conhece-lo pelo nome: Lobo...
No dia seguinte, quando por ali passei para ir para o meu local de trabalho, o Lobo apareceu a ladrar como de costume. Chamei-o pelo nome. Ele, com uma "expressão" de surpresa, arrebitou as orelhas. Tipo: "Pera lá, como é que este gajo sabe o meu nome?".
Veio ter comigo, diferente das outras vezes em que me ladrava, com a cauda a dar-a-dar. Era sinal que estava contente. Alguém o tinha tratado pelo seu nome. Alguém tinha respeito por ele.
A partir dessa altura, o Lobo quando me via vinha imediatamente ter comigo e roçava-se nas minhas pernas. Eu afagava-lhe a cabeça. Ele seguia todo contente. Tinha "conquistado" um amigo...
Algum tempo depois - talvez umas semanas - o Lobo ganhou confiança comigo. Um dia ao roçar-se nas minhas calças, encostou o focinho ao chão como que a pedir-me para eu lhe tirar o açaime. Pensei, "pobre cão, tão meigo e anda aqui açaimado".
Sábado. 08h00. As ruas do Bairro Novo estavam vazias. No ar um cheiro intenso a maresia. Que cheirinho bom...
O meu "companheiro" apareceu, sempre na sua missão de defender o seu "território".
Ao "cumprimentar-me", o Lobo começou a roçar o focinho no chão. Resolvi, numa atitude irreflectida, tirar-lhe o açaime. Era um risco que estava a correr. Sentei-me nas escadas da EMANHA e desaçaimei o Lobo.
É indiscritível a alegria daquele momento. O Lobo saltou, correu, deu pinotes... Estava livre e sabia-o. Gozava da liberdade, outrora perdida por uma dentada mal dada, ainda por cima quando se defendia de uma eventual agressão.
Naquele momento também eu me senti livre e, sentado na escadaria, senti-me uma pessoa melhor. Dei oportunidade a "alguém" de ser livre, de se sentir livre...
Chegou a hora de ir trabalhar. Chamei o Lobo para lhe voltar a colocar o açaime, para lhe retirar a liberdade que eu próprio, ainda que por 10 minutos, lhe concedi...
Ao contrário do que eu pensava foi fácil voltar a colocar-lhe o açaime, ainda que um pouco um Mars que eu trazia na minha mala ajudasse. Olhei para o Lobo que, curiosamente, me observava. No seu olhar era visível a tristeza, como que se soubesse que a sua liberdade tinha novamente chegado ao fim.
A história do Lobo é também a minha história.
Qualquer semelhança com a realidade não é pura ficção.
Adeus! (Mas Também Eu) Vou andar por aí...
Vou libertar-me do açaime e gozar da minha liberdade!